*Por Jorge Pacheco
Sillicon Valley, Tel Aviv, Boston, Shenzen, entre outros locais, são berço de uma quantidade de inovação e criação de startups acima da média. O sucesso destas regiões não é por acaso. Entre muitas semelhanças, talvez a que melhor represente “a mágica” que acontece nestas regiões seja a densidade empreendedora.
Segundo Brad Feld, influente investidor de Venture Capital e fundador do Tech Stars, a densidade empreendedora de um local pode ser calculada com uma fórmula que considera o número de empreendedores e colaboradores de empresas em rápido crescimento (na maioria das vezes com base tecnológica) dividido pelo número de pessoas adultas na região. Considerando esta fórmula, uma das cidades com maior densidade empreendedora é Boulder nos Estados Unidos, onde a cada 188 pessoas uma é empreendedora.
Locais com alta densidade empreendedora não surgem por acaso. Eles levam tempo para se desenvolverem e são resultado da combinação de uma série de agentes e suas iniciativas e da formação de uma cultura empreendedora, a qual faz com que as pessoas sejam mais abertas, receptivas e dispostas a ajudar os outros a se desenvolverem. De um lado temos os agentes provedores formados por investidores, incubadoras/aceleradoras, corporações, universidades e governo. De outro temos os empreendedores motivados para criar coisas e inovar. A presença destes agentes formam o chamado “ecossistema” que se desenvolve dia após dia graças a contribuição de cada um. Quanto mais presentes e dispostos a colaborar, maiores são os resultados locais e atração de novos empreendedores, pessoas com talentos, investidores, entre outros.
Em um ecossistema o governo deve ter o papel de “preparar o campo” para receber os demais agentes. Ele não deve querer liderar ou controlar as iniciativas e sim criar as condições necessárias para atrair os agentes e os estimular a se desenvolverem. O papel do governo deve incluir iniciativas de fomento para atração e acesso a capital, desburocratização, utilização de espaços públicos ociosos, entre outras ações.
Os investidores, sejam fundos ou pessoas físicas/anjos, tem o importante papel de impulsionar o crescimento das criações dos empreendedores. Todo o empreendimento, seja fisico ou digital, precisa de capital para ser desenvolvido, divulgado e ganhar mercado. Nem todos os empreendedores tem capital próprio para iniciarem ou escalarem seus projetos e os investidores trazem o capital necessário para as coisas acontecerem.
As grandes corporações também tem um importante papel, pois muitas vezes elas são os tomadores dos serviços e/ou produtos criados pelos empreendedores. Também tem sido cada vez mais comum as iniciativas de corporate ventures, nas quais as corporações investem e incubam/aceleram startups de empreendedores. Entre alguns exemplos, temos a conhecida Oxigênio, aceleradora da Porto Seguro, e o recente PULSE, aceleradora da Raízen que fará uma importante contribuição no ecossistema de Piracicaba e regiões próximas ao fomentar o desenvolvimento de startups ligadas a agricultura.
As universidades e escolas tem o conhecido papel de ensinar pessoas e, cada vez mais, também as estimular a empreender e inovar. Além disso, as boas universidades costumam atrair talentos, os quais muitas vezes acabam ficando e empreendendo na região. Um exemplo clássico é o que acontece em Boston, cidade que recebe alguns dos melhores estudantes do mundo para cursarem Harvard e MIT, e muitos deles acabam iniciando startups na cidade e as escalando para o resto do mundo. Além das universidades, também tem sido comum o surgimento de escolas com cursos de curta duração que ensinam habilidades do século 21 e preparam as pessoas para empreenderem, como o caso da Gama Academy, Le Wagon e MasterTech.
Em um ecossistema também é cada vez mais comum a presença de incubadoras e aceleradoras que ensinam e preparam os empreendedores e, muitas vezes, aportam o capital necessário para iniciarem seus projetos. Também devemos reconhecer o importante papel dos espaços de coworking que além de oferecerem a infra-estrutura necessária para as pessoas empreenderem também estimulam a colaboração, o compartilhamento e a formação de comunidades.
Em um ecossistema seus líderes são os próprios empreendedores, os quais são os principais responsáveis por conectar os agentes, propor mudanças e realizar atividades e eventos locais para conectar pessoas e gerar conteúdo relevante. Diferente de modelos tradicionais onde os líderes são eleitos/selecionados, em um ecossistema seus líderes são reconhecidos conforme sua contribuição e não há qualquer tipo de hierarquia ou subordinação entre as partes.
Além do famoso ecossistema do Vale do Silicio, há diversos outros espalhados pelo mundo onde a densidade empreendedora é enorme e a inovação gerada localmente produz impacto no mundo inteiro. Um destes locais em especial é a cidade de Shenzen na China, a qual se tornou a capital maker do mundo. O mais interessante é que até pouco mais de 30 anos Shenzen não passava de uma vila de pescadores com uma população inferior a 300 mil habitantes e nada tecnológica. A história de Shenzen foi impulsionada por uma iniciativa do governo em 1980 quando criou a primeira Zona de Economia Especial da China, algo semelhante a Zona Franca de Manaus no Brasil. Esta iniciativa foi responsável por abrir o mercado Chinês para o mundo e atrair uma quantidade enorme de investimento estrangeiro. Hoje, lá vivem mais de 15 milhões de pessoas (a grande maioria imigrantes) e a cidade é a 4a mais rica da China, concentrando um grande número de empreendedores, makers, investidores, aceleradoras e fábricas de componentes eletrônicos. Para um empreendedor de hardware, desenvolver seu produto em Shenzen é muito mais rápido e barato do que em qualquer outro lugar do mundo.
Outro case interessante é a cidade de Tel Aviv em Israel. Com uma população inferior a 500 mil habitantes, a cidade é responsável pelo 2o maior número de registros de IPO em Nasdaq e reconhecida como líder global em inovação e tecnologia relacionada a segurança, proteção de dados e agricultura. Os conflitos com regiões vizinhas impulsionaram Tel Aviv a desenvolver tecnologias militares e de segurança para sobreviverem, porém, isto somente foi possível devido a iniciativas de fomento do governo, atração de talentos e investimentos, colaboração entre as pessoas e organização da comunidade empreendedora local. Além disso, a obrigação ao alistamento militar para homens e mulheres e seu rigoroso treinamento desenvolvem habilidades de liderança e disciplina nas pessoas, preparando-as para lidarem com situações adversas e encontrarem soluções, desafios presentes na carreira de qualquer empreendedor. Em 2014, uma pesquisa local registrou mais de 1100 startups e estimou que a cada 365 pessoas ao menos uma era empreendedora.
Quando se trata de inovação e empreendedorismo, tamanho não é documento. Nem sempre as maiores cidades são grandes berços de inovação, mas sem dúvida, regiões com alta densidade empreendedora são. A presença e relação entre os agentes do ecossistema e uma regulação governamental que estimule o empreendedorismo fazem do local um berço de inovação, gerando negócios, criando empregos e fortalecendo as condições econômicas e sociais da população. No Brasil, apesar de todas as adversidades e confusões políticas que parecem não ter fim, há diversas comunidades empreendedoras que vem impactando positivamente suas cidades e atraindo talentos, capital e ajudando os governos a criarem as condições necessárias para as pessoas empreenderem. Ao invés de esperarmos um político ou partido “salvador da pátria”, temos que reconhecer o poder do empreendedorismo para mudarmos o que não está legal e criarmos o país que gostaríamos de viver.
Jorge Pacheco vem dedicando sua vida ao desenvolvimento de negócios conscientes e com impacto social. Jorge é CEO e co-fundador da Plug, da Sangha Investments e conselheiro do Dínamo. O Dínamo é um movimento de articulação na área de políticas públicas focada no tema ecossistema de startups, e acredita na importância de um marco regulatório para o empreendedorismo no Brasil. www.dinamo.org.br .