Por: Rodrigo Afonso*
Vivemos em um mundo em transformação acelerada e é certo que o futuro será radicalmente diferente do que vivemos hoje como indivíduos e, principalmente, como sociedade. E quando falamos de futuro, não se trata de algo que acontecerá nos próximos 500 anos, e sim em elementos que transformarão de forma profunda a nossa sociedade nos próximos 20, 30 anos.
Futurologistas garantem que já está entre nós a primeira pessoa que viverá para sempre. Além disso, empregos que hoje são de trabalho manual intensivo na indústria serão substituídos por robôs nas próximas décadas. Empresas como o Google já detêm tecnologias de carros inteligentes que substituirão, muito em breve, os empregos de milhões de motoristas por todo o globo. Se você já ouviu falar da Uber, startup que concorre com as cooperativas de táxi mundo afora, saiba que eles também estão desenvolvendo sua própria tecnologia de carros inteligentes para substituir os automóveis com motoristas de sua rede por carros totalmente auto guiados. Há inclusive robôs jornalistas, que escrevem artigos e crônicas esportivas até com uma dose de humor e sarcasmo - o leitor talvez não consiga distinguir, pelo texto, entre um jornalista de carne e osso e o cibernético. Quem sabe este texto inclusive não está sendo escrito por um robô..
Fato é que o mundo precisa preparar-se para uma nova realidade social e para as consequências práticas da chegada de tantas transformações tecnológicas. Se somarmos a quantidade de empregos que hoje existem em áreas como indústria pesada, naval, motoristas, logística, etc, fica óbvio que estamos falando de milhões de empregos apenas no Brasil. Empregos estes que, inevitavelmente, serão substituídos por robôs, possivelmente ainda nessa geração. Como preparar a nossa sociedade para a perda de milhões de postos de trabalho? Onde as pessoas irão trabalhar? Elas estão sendo preparadas para isso?
Imagine que com os avanços da medicina e da indústria farmacêutica, o seu filho já pode ser uma das pessoas da geração que viverá para sempre. Pode parecer ótimo, mas pense nas consequências disso para a sociedade como um todo. Como o Estado irá se preparar para suportar uma previdência (aposentadoria) de alguém que vive para sempre? Se você vive para sempre, será que ter filhos se tornará uma urgência tão grande como é hoje por conta da limitação da idade? Como novas pessoas (filhos) entrarão no mercado de trabalho, já que as mais “velhas" não envelhecem mais?
Esta nova realidade está chegando e, acredite, não está tão longe assim.
Pensando no desenvolvimento econômico e social dos países, fica claro que é preciso criar indústrias e serviços de maior valor agregado e menos primários, e isso só acontece com investimento pesado em inovação, tanto por parte do Estado quanto dos setores empresarial e educacional.
Olhando especificamente para o Brasil, vemos que quase diariamente nossa indústria reclama da falta de infraestrutura, dos altos custos de impostos e, principalmente, da carga dos salários e seus encargos nas despesas das empresas. Muitas dessas reclamações são válidas, porém quando analisamos com que, nossa indústria está preocupada em concorrer, vemos que essa guerra está provavelmente perdida. Explico: nas últimas duas décadas, O Brasil evoluiu muito em relação à redução da desigualdade social. Desde o Plano Real, o salário mínimo e o poder de compra dos nossos trabalhadores têm evoluído sistematicamente, principalmente nos últimos 12 anos. Salários em empresas têm cada vez mais se aproximado de valores europeus e americanos, consequência natural do esforço de reduzir a desigualdade e empoderar as classes menos favorecidas.
Esse caminho não tem volta: não há como pedir para a sociedade aceitar que se reduza esse ganho. Assim, se torna urgente a necessidade de se adaptar a essa nova realidade. O Brasil não é a China ou a Índia, em que a desigualdade é brutal, os salários muito baixos e os direitos dos trabalhadores praticamente inexistem.
Por isso, mesmo que tivéssemos no Brasil uma infraestrutura americana e uma eficiência alemã, concorrer com a China em bens industrializados básicos será uma tarefa quase impossível. Prova disso é que os EUA têm perdido espaço sistematicamente para a indústria produtiva da China.
Infelizmente, nossa indústria ainda patina quando precisa - como se costuma falar no universo de startups -pivotar seu núcleo de negócios para uma indústria inovadora. Com mais Embraers e menos "fábricas de parafusos”.
Se a nossa indústria não inova, perde concorrência para os produtos chineses. Com isso, a indústria,em vez de tentar diferenciar-se em termos de produtos, processos e serviços, pressiona governos para reduzir impostos e impor barreiras aos produtos estrangeiros, o que gera uma falsa sensação de melhora, mas um encarecimento de produtos para o mercado local. A contrapartida para essas barreiras e redução de impostos pelo governo tem que ser a busca pela inovação, utilizando as diversas (ainda que complicadas) leis de incentivo à inovação, do crédito subsidiado do BNDES, entre outros dispositvos, para que as empresas se preparem para um futuro breve e disruptivo.
Há uma certa “acomodação” para perpetuar um modelo que já mostra os desgates naturais perante uma realidade transformadora que o mundo vive, e uma falta de visão tanto dos governos como do setor privado de pensar o futuro e planejar estrategicamente. Os países que enxergaram a China e Índia como concorrentes às suas indústrias primárias, décadas atrás, saíram na frente e conseguiram transformar suas indústrias e empresas locais em marcas globais. Criaram ainda um mercado de trabalho altamente qualificado com a qual a China não consegue (ainda) concorrer.
Pessoas como Elon Musk, fundador do PayPal e hoje dono da Tesla Motors e SpaceX (entre outras), são exemplos de empresários com visão de futuro que entendem as necessidades da sociedade para sobreviver. A Tesla Motors já se tornou a maior e mais moderna empresa do mundo na fabricação de carros 100% elétricos e está revolucionando o mercado mundial de baterias. Seu principal objetivo nesse projeto é contribuir para a redução de emissão de carbono para minimizar os efeitos do aquecimento global. Já a SpaceX procura reduzir os custos das viagens espaciais para viabilizar expedições no espaço - viagens interplanetárias que assegurem a sobrevivência da raça humana no longo prazo. Musk investiu US$ 100 milhões de seu bolso para construir a SpaceX, que começou com 160 funcionários. Hoje, a empresa tem quase quatro mil funcionários e está avaliada em US$ 2,4 bilhões.
Do lado do governo, simplificar o processo de investimento em inovação é essencial, mas não é o único ponto. A história demonstra que todos os países que conseguiram criar um ecossistema inovador contaram com uma articulação inicial forte do governo e um planejamento estratégico claro que contava com o apoio do setor privado e da sociedade.
Investir e incentivar projetos de inovação e empreendedorismo em universidades públicas e privadas é essencial para criar a cultura e o conhecimento necessário ao surgimento de novos Elon Musks, além da criação de mão-de-obra altamente qualificada e interessada nestes novos mercados. Focar em capacitação básica para uma indústria primária é apertar a corda no pescoço para um fim inevitável: ficar de fora no futuro do mercado de trabalho.
Ainda é mais caro (e ineficiente) para empresas de médio e grande porte investirem em inovação “dentro de casa” do que trabalhar com startups para que estas tragam inovação para dentro das corporações.
A inovação proveniente de uma startup é muito mais barata e rápida de ser criada, validada e colocada em prática. Não é à toa que as grandes empresas como Google, Apple e Facebook, sempre que consideram oportuno, adquirem startups que desenvolvem tecnologias de ruptura (disruptive). Elas já entenderam que este processo é muito mais eficiente e, por isso, apoiam diversas iniciativas para fortalecer os ecossistemas de startups de onde vão surgir os próximos Waze, Instagram e Oculus Rift que, se somados, hoje já valem mais de US$ 50 bilhões.
Para enfrentar os desafios do nosso breve futuro, o Brasil deve começar a planejar desde já. Governo, empresas, universidades e sociedade em conjunto. Não háfalta de leis ou incentivos, mas de um trabalho de articulação entre todos as engrenagens desse ecossistema. Esse é um processo que precisa da união de todos. Por um Brasil melhor para nossos filhos.
Lembrando um texto recente, "em 2015 a Uber, maior empresa de taxis do mundo, não é dona de nenhum veículo; Facebook, o dono da mais popular rede de mídia, não cria nenhum conteúdo; a Alibaba, mais valiosa loja de venda de produtos do mundo, não tem nenhum item em estoque; e o Airbnb, maior provedor de acomodações do mundo, não é dono de um metro quadrado sequer".
E aí, você consegue imaginar como será o mundo em 50 anos?